sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

deixem-me dormir







Zé detestava aborrecimentos, odiava problemas, tinha aversão a reclamações dos munícipes, fazia um esforço sobre-humano para estar presente nas barulhentas sessões da Assembleia.

Zé gostava das reuniões com os empreiteiros, no silêncio entre um copo ou dois, no sussurro da noite, onde se falava do que realmente interessa: obras.

Para se sentir feliz Zé nem precisava de ouvir o som do dinheiro, bastava-lhe o nome e, ocasionalmente, o cheiro das notas, ainda que de peixeiras.

Recordava-se do momento em que o sacana do Tone, com um semblante carregado, entrou pelo Gabinete com um assunto muito sério em mãos que colocaria em causa o bom-nome da empresa:

Zé pá, trago-te aqui um assunto muito delicado.

O quê Tone? Um conjunto de luxo em porcelana?

Não Zé.

Uma jóia oferecida por algum empreiteiro?

Não Zé.

Antão trazes-me o quê?

O teu filho anda a roubar dinheiro aos professores lá.

Como Tone?

É. E pior ainda. Pega na massa e vai para Abermar espetar umas cronhadas nas brasileiras.

Como é que tu sabes Tone? Vistes?

Viram-no a comprar o Jornal de Notícias, ler os anúncios de compra de casa e chamar um taxe.

Ai sim?

Sim. O que faço com este assunto Zé?

Oh Tone, num fui eu que roubei.

Temos que resolver este assunto ZéZéZéZéZé!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Zé acordou. Tudo não passava de um sonho. O som da Onda Viva com a canção “Sobe Sobe Balão Sobe” havia-o despertado.

Ai meu Deus! Que soneira.


Ao lado, a mulher ainda ressonava. Tapor só dorme. Deixa-la estar prá aí. Pensou Zé.

30 minutos depois já estava a entrar no carro, dirigido por Doro, o motorista que não falava, só ouvia.

Pi! Pi! Pi! Era o sinal horário das 10 horas da manhã.

Zé nunca gostou de chegar cedo. Quando chegava cedo tinha sempre um munícipe à espera dele para o ameaçar de pancada, daqueles que nem dormem de noite, a pensar na vida desgraçada de dívidas atrás de dívidas.

São os mais perigosos, pensou ele.

Às 10 horas já estavam a dispersar, cansados de tanto esperar.

As notícias eram boas.

Eh eh eh! É lá em Vila do Conde. O T-Rex que se desenrasque. Lá com o do PS, o “pensem nisso”, eh eh eh! Deixa-me ligar ao Buenos pra ver o que ele diz:

TRIIM TRIIM!

Buenos? Onde estás?

Estou a caminho.

A caminho de onde?

Daí.

Ah pois é, nem me lembrei. Olha, ouvistes as notícias sobre a ETAR?

Ouvi.

E que achas?

Que estamos fodidos.

Achas mesmo?

Claro. Se aquilo num anda onde vamos deixar os calhabotos dos poveiros?

No mar.

No mar já nós lançamos.

E continuamos lançar.

Mas temos que lançar com estilo. Vai ser uma barracada Zé.

Zé ficou branco. Telefonou de imediato ao Montanha, o empreiteiro de serviço.

Montanha meu, agora num vai ser preciso concurso público. Vamos poder fazer obras até num poder mais. Tens alguma ideia?

Vou ter de falar com o Buenos Zé.

Sempre o Buenos, sempre o Buenos, pensou Zé. Esse gaijo quer-me fazer a cama.

As notícias continuavam:

Este gaijo queima o dinheiro todo. Já lhe disse que o apoiava na redução de gastos, assim sempre ficava com algum e ele é sempre a estourar.


Este gaijo da Onda Viva parece o Voz da Kizomba, o boca rota do carago. Num podia abafar isto. Isto num é notícia. Vou ligar ao Malvado.

TRIIM TRIIM!

Malvado só pões as notícias a dizer mal da cidade. E as exposições pá? E o teatro pá? E o cinema pá?

E o Correntes d’Escritas pá?

Quem disse isso?

Foi eu Zé?

Estás debaixo do banco porquê Tino?

Pá ontem tive de fugir de várias professoras que andam atrás de mim.

E tu num aproveitastes?

Uma de cada vez.

Num tarda muito estás no Viagra.

Vou telefonar ao Gugu a dizer que precisas de ajuda. Eh eh eh!



Sem comentários: